Venerado (e triste) Michelangelo

Roberta Ristori Reply 07:03

Michelangelo é uma das figuras mais veneradas de todos os tempos. O gênio ao qual o nome sempre esteve atrelado a adjetivos como "divino", no entanto, sofreu enormemente para atingir o nível de excelência e levar adiante seu magnífico trabalho.

Escreveu o crítico de arte Pietro Arentino a seu respeito: "Com a maior das honras deve saudar-vos, pois o mundo possui certamente muitos reis, mas apenas um único Michelangelo".

Curioso pensar que ele preferisse a escultura à pintura ao nos depararmos com o espetacular teto da Capela Sistina. Inquestionavelmente sublime que sempre foi nas duas artes, segundo os estudiosos, nunca teria se dedicado a esta última por iniciativa própria.

Em 1505 foi chamado a Roma para projetar o mais imponente dos túmulos de até então para o Papa Julio II. Repentinamente, com apenas a parte inicial do projeto pronta, o papa mudou de idéia e Michelangelo viu-se forçado a dedicar-se à pintura da abóbada da Capela.

Julio II queria assegura o legado da Antiguidade através de todo um complexo sistema de referências contidos ali. O senhor da Igreja de São Pedro era também o soberano de uma nova Roma que ressurgia por entre as ruínas da antiga capital do império.

Sendo assim, a pintura talvez possa ser interpretada da seguinte forma: a história da Salvação que promete uma "vida eterna", libertou Roma do paganismo para elevá-la a categoria de "cidade eterna". A essa Roma ressurgida sob o poder do papa cabia agora o papel de difundir e manter o Cristianismo no mundo.

De acordo com a interessantíssima e coerente opinião de Alexander Rauch, autor do texto que foi fonte deste post, o programa completo da obra é reflexo a ambição política de Julio II, que provavelmente participou da criação do complexo sistema iconográfico.

A cúpula foi destampada em outubro de 1512 e, no mês anterior, Michelangelo escrevera ao seu irmão: "Comunico-vos que não tenho um cêntimo e que estou praticamente descalço e nu, não podendo receber o resto dos meus honorários até que a obra esteja concluída, de modo que tenho que suportar as maiores privações e misérias...desde que podeis não utilizar meu dinheiro...em todo o caso farei tudo o que puder para celebrar convosco o dia de Todos os Santos, se Deus quiser. Michelangelo, escultor em Roma."

Carta comovente (acrescentaria revoltante) que revela um Michelangelo humilhado e acossado pelas imensas exigências de sua posição, um artista que embora tenha atingido o cume da pintura de seu século, modestamente se auto-intitula apenas "escultor".

Julio II pressionou o artista "só" até determinado ponto, para não arriscar-se a perdê-lo, mas o tratamento a ele dispensado está muito distante de ser considerado um exemplo de nobreza. Apesar do papa poder ter pretendido mostrar aos mais eruditos, através da pintura da Capela Sistina, um programa de profundos conteúdos que equiparava seu papado com os séculos áureos do Império Romano, transformando-se em seu legítimo sucessor, Michelangelo sempre soube o dever que a pintura impõe: "nela devem ler todos aqueles que não conhecem as letras, no lugar do livro surge a imagem" - e em sua maravilhosa obra nunca se excusou a esses esforços.

Entretanto, em um de seus derradeiros sonetos o artista define-se: "Sou um saco de pele, repleto de ossos e nervos, o meu rosto é a imagem do horror,...as tão aclamadas artes, que eu tão bem dominei, trouxeram-me até aqui ... sou como o tutano em seu invólucro, enclausurado, pobre e solitário ... A minha alegria é a melancolia, o meu repouso o tormento. Calhar-me-ia bem a figura do bobo, com esta cabana aqui, no meio dos palácios, consumido estou, dilacerado e quebrado por tanto esforço ... Miserável, velho, dependente de outros. Desfaço-me em pedaços se não morrer em breve!". Triste e intrigante combinação de miséria e maravilha.

*Fonte: "A Arte da Renascença Italiana" - Rolf Toman, texto sobre A Pintura do Alto Renascimento e do Maneirismo em Roma e na Itália Central de Alexander Rauch.

**A imagem que ilustra o post é da "Sagrada Familia", de Michelangelo.

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