Vá e volte vencedor - Palio de Siena

Roberta Ristori Reply 11:05

No dia do meu aniversário decidi escrever sobre um dos temas que mais me fascina entre as tradições toscanas - o Palio de Siena. Com um avô de Siena, a simples menção da corrida me emociona. E é assim, cheia de amor por essa cidade, honrada por ter no sangue um traço senese que começo a escrever algumas palavras sobre a mais célebre das tradições dessa espetacular cidade.

O que seria Siena sem o Palio? Que paixão é esta tão forte que se faz sentir em todo o mundo? Aqueles que pensam nessa extraordinária tradição como uma simples corrida de cavalos, se engana e arrisca-se ainda a irritar algum senese com um pouco de sangue nas veias! E por acaso existe algum cidadão desta estupenda cidade que seja de fato tranquilo?

Talvez eu não esteja em condições de avaliar isso, uma vez que estive ali somente três vezes, mas me parece, pelo menos em uma primeira impressão, que este seja um lugar de pessoas com muita alma. Pessoas que amam as suas tradições, respeitam os seus ritos, vivem realmente, cheios de cores- não se trata de mera sobrevivência.

O Palio é uma competição entre as "contradas" na forma de uma corrida equestre de origem medieval que tem lugar na Piazza del Campo, coração da cidade. A "carriera", como é tradicionalmente chamada a corrida, acontece duas vezes ao ano, em 2 de julho - o Palio de Provenzano (em homenagem a Madonna di Provenzano) e em 16 de agosto - o Palio da Assunta (em homenagem a Madonna Assunta).

Existem 17 contradas em Siena -
Aquila, Bruco, Chiocciola, Civetta, Drago, Giraffa, Istrice, Leocorno, Lupa, Nicchio, Oca, Onda, Pantera, Selva, Tartuca, Torre e Valdimontone, isto é, 17
subdivisões históricas da cidade dentro dos muros medievais. São como pequenos bairros ou paróquias. Cada uma mantém há séculos o próprio organismo representativo eleito de forma autônoma e independente. As contradas são entes sem fins lucrativos e são consideradas legalmente pessoas jurídicas.

A cada Palio correm somente dez contradas. O mecanismo funciona assim, participam "de direito", as sete contradas que não participaram do Palio correspondente no ano precedente e, um mês antes da corrida, são sorteadas outras três para completar o lote.

O cavalo também é escolhido por meio de sorteio e não pode ser trocado ou substituído. Caso aconteça qualquer problema com o animal, a contrada simplesmente deixa de correr. Todo o resto está nas mãos dos capitães e seus fiéis colaboradores, dos fantinos (os jockeis do palio) e do povo que doa cifras inacreditáveis a fim de ter uma esperança. A hostilidade entre as contradas é mais sentida do que as alianças, que com os anos empalideceram e tornam-se cada vez mais sutis.

O Palio é vencido pelo cavalo, com ou sem fantino, depois de haver completado três voltas, em torno da praça, em sentido horário. Na "carreira", rápida como um raio - dura somente cerca de um minuto e dez segundos - há apenas quem vence e quem perde. A ordem de chegada não se assemelha em nada a uma competição esportiva. Quem vence triunfa, os demais são humilhados. Fazer perder um adversário pode ser mais importante do que a vitória.

O Palio di Siena é, sem dúvida, uma das corridas de cavalos mais antigas do mundo. Em nenhuma outra parte o animal é escoltado, perscrutado, venerado, servido e honrado - ao cavalo vencedor, a cabeceira da mesa. Cidadões que realizam cerimônias sacras e pedem bençãos nas fases preparatórias, mas que também são capazes de renegar os santos se estes não lhes ajudam a obter uma vitória.

Segundo Roberto Barzanti, no livro "Toscana, Toscana" de Alexis-Baatsch Henry, a relíquia da cabeça de Santa Catarina, venerada em San Domenico, correu o risco de ser submersa por aqueles da Oca nas águas da Fontebranda, porque a santa não havia obstaculado a vitória da sua inimiga, a Torre.

Já aqueles da Chiocciola, durante a vigília da competição de 1949, ao receberem um cavalo ruim, queriam jogar num poço a estátua de Santo Antônio, como haviam feito em 1911. Foram dissuadidos por um argomento irreprensível: "Recordem-se que ganhamos depois de termos recuperado o santo!"

A história do Palio se confunde com aquela da própria cidade e muitas vezes se sobrepõem. No início do século XII, o governo tendo ganhado força e prestígio, começou a organizar, com regularidade, manifestações religiosas dedicadas a diversos santos, sobretudo à Madonna, a qual existia uma especial veneração, até mesmo antes da definitiva consagração da cidade à Virgem, no dia seguinte a batalha de Monteaperti, entre Siena e Florença.

A catedral foi consagrada à Madonna e na ocasião da festa da Assunta, teve início a maior cerimônia pública de Siena, o oferecimento do círio. Ainda que tivesse um cunho religioso, a festividade continha também fortes motivações políticas.

Consumava-se naquele dia de agosto, o triunfo de uma classe dirigente consciente do seu papel e confiante no futuro e os senhores dos castelos, recentemente ocupados, eram obrigados a seguir a magistratura no cortejo, junto com o povo para oferecer doações à rainha dos seneses. Foi provavelmente naquele momento que se deu a ligação cada vez mais forte entre a festividade da Assunta e uma corrida de cavalos que atravessava a cidade.

As contradas ainda não tinham suficiente dignidade para paticipar da competição que por muito tempo, era um privilégio dos nobres e capitães militares, os quais diretamente, ou confiando os seus melhores animais a cavaleiros profissionais, concorriam a um prêmio, geralmente, um "pallium", um pedaço de tecido nobre como seda e damasco.

Ao povo, eram reservados outros tipos de competição, muito mais sanguinárias, como as lutas ou a caça ao touro e outros animais selvagens. O povo participava dividido em times formados nos três terços (outra divisão maior da cidade) e nas várias contradas.

Depois de um tempo, a República caiu e foi englobada pelo Estado Mediceo. A primeira medida dos florentinos foi abolir o cortejo do círio, de forma a anular, ao menos simbolicamente, aquilo que representava o triunfo da potente e livre Siena. Assim, o Palio "alla lunga" (a longa) - corrido pelas ruas em agosto, começou a perder o prestígio e se intesificando em seu lugar, as competições que aconteciam na Piazza del Campo - as lutas e corridas de búfalos e asnos, sempre organizadas pelas contradas, as quais o nove regime continuava a reconhecer.

Provavelmente, a primeira edição do Palio "alla tonda", isso é, realizado na Piazza del Campo, promovido e organizado pelas contradas, com precisas analogias a corrida como acontece hoje, foi aquela de 1633.

Em 1656, aconteceu o primeiro Palio oficialmente ligado a celebração do milagre da Madonna di Provenzano, que aconteceu em 2 de julho. Em 1700 foi instituído um segundo Palio, corrido em 16 de agosto, por iniciativa da Oca.

Em 1721 foram estabelecidas as regras que controlam severamente as modalidades de execução da competição e que permanecem quase completamente ainda em vigor. Pouco depois, em 1729, um outro provimento fixou o número de contradas nas 17 ainda existentes.

É difícil definir quais são os dias do Palio, isso depende do grau de conhecimento e na capacidade de comprendê-lo na sua essência mais profunda. Para alguns, tudo começa há quatro dias da corrida, ou com o sorteio do cavalo. Para outros, a magia tem início no dia 1º de dezembro, festa de Santo Ansano, patrono da cidade, que sinaliza o início do ano "contradaiolo".

No entanto, o Palio é tão particular, complexo, cheio de mistérios e pequenas curiosidades, como por exemplo, o fato de nenhum fantino ter jamais morrido durante uma corrida tão violenta e o jogo de nervos entre os adversários, que é uma tradição singular. Assim, como estrangeira, ainda que fascinada por esse belíssimo universo, não me sinto em condições e nem no direito de aprofundar-me nesse tema.

Quem quiser ter uma boa idéia do que é o Palio, pode assisir a 007 Quantum of Solace, de Marc Forster, lançado no ano passado. O filme tem início em meio a corrida e mostra belos ângulos da cidade.

Aos curiosos: me parece que meu avô fizesse parte da Chiocciola, mas não tenho certeza. Infelizmente, até hoje, não consegui ver a corrida "ao vivo e a cores" na Piazza del Campo, tive que me contentar apenas com a TV. Este é um sonho antigo, que cedo ou tarde, será realizado. Fecho os meus olhos e faço um desejo enquanto assopro as velinhas do bolo.

P.S. Só mais uma rápida observação, não se escolhe uma contrada para torcer como um time de futebol, nasce-se em um contrada. Nos dias do Palio, maridos e mulheres muitas vezes seguem em direções distintas e voltam aos locais onde nasceram.




Busca

Translate

GPT na rede

Favoritos

Arquivo do Giro

Seguidores